publicado em 22/12/2020
Não é segredo que o setor da construção civil tem sentido fortemente os efeitos da crise econômica gerada pela pandemia da COVID-19. Desde que o Congresso Nacional editou o Decreto Legislativo nº 06/2020, reconhecendo o estado de calamidade pública instaurado pelo novo coronavírus, os preços de insumos como o aço, o cobre e o PVC dispararam, dificultando o cumprimento de diversos compromissos assumidos por empresas do setor.
No segmento das obras públicas o panorama muitas vezes se torna ainda mais complexo em virtude das limitações que recaem sobre o gestor público para renegociar preços originalmente contratados e mitigar os impactos da variação dos custos enfrentados pelo empresário para executar determinado projeto.
Não bastassem burocráticos e desgastantes procedimentos de revisão - que são legítimos, dada a excepcionalidade da pandemia da COVID-19 e dos seus efeitos econômicos -, são razoavelmente comuns os casos em que a Administração Pública protela ao máximo a realização de reajustes dos valores originalmente contratados, utilizando como justificativa a inviabilidade de o fazer antes do transcurso do interregno de 1 (um) ano previsto na Lei nº 10.192/2001.
Essa justificativa, todavia, nem sempre é procedente.
É comum que a Administração Pública utilize como data-base para a contagem do interstício anual acima referido a data da apresentação das propostas pelos licitantes. Mas esse não é o único marco temporal apto a exercer essa função.
O art. 40, inc. XI, da Lei nº 8.666/93, estabelece que o critério de reajuste eleito deverá observar o necessário intervalo anual "[...] desde a data prevista para a apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir [...]".
Não se ignora o fato de que a expressão "do orçamento a que essa proposta se referir" não é totalmente clara, e pode gerar controvérsias quanto ao seu conteúdo. O orçamento mencionado na norma consiste na própria proposta apresentada pelo licitante (que, em última análise, foi construída com base em procedimento de cotação de preços realizada junto a fornecedores) ou no orçamento estimado elaborado pela Administração Pública?
A resposta pode ser encontrada na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, e o Acórdão nº 19/2017 - Plenário é bastante representativo.
Ele decorre do julgamento de representação movida por empresa interessada em licitação cujo objeto era a execução de reforma, com fornecimento de material, mão de obra, ferramental e todos os equipamentos necessários à perfeita realização dos serviços no Edifício denominado Bloco "O" da Esplanada dos Ministérios, em Brasília-DF.
Um dos pontos do edital impugnados pela representante foi justamente a data-base eleita para a contagem do prazo anual para realização de reajuste contratual. De acordo com o ato convocatório o interstício temporal deveria ser contado da data da apresentação das propostas (13/09/2016), em que pese o orçamento estimado elaborado pela própria Administração Pública - que serviu de base para a elaboração daquelas propostas - ter sido elaborado 9 (nove) meses antes (em janeiro de 2016).
Naquela oportunidade, o Tribunal de Contas da União reconheceu que esse estado de coisas poderia gerar problemas durante a execução do contrato, uma vez que os preços propostos pela futura contratada poderiam ficar defasados em relação ao avanço dos seus custos.
E para solucionar a questão, o Tribunal de Contas da União expediu a seguinte recomendação:
em futuras licitações de obras públicas, quando se demonstrar demasiadamente complexa e morosa a atualização da estimativa de custo da contratação, adote como marco inicial para efeito de reajustamento contratual a data-base de elaboração da planilha orçamentária, nos termos do art. 40, inciso XI, da Lei 8.666/1993 e do art. 3º, §1º, da Lei 10.192/2001;
Como se vê, o Tribunal de Contas da União reconhece que em contratos de obras públicas, o mais recomendável é que o prazo de 1 (um) ano para realização de reajustes contratuais seja contado da data em que o orçamento estimado da Administração Pública foi elaborado.
Esse posicionamento é especialmente pertinente para o contexto em que se encontra a grande maioria dos contratos de obras públicas.
Vários desses contratos foram firmados a partir de propostas elaboradas com base em orçamentos estimados estruturados em momento anterior à crise imposta pela pandemia da COVID-19. Crise que sabidamente elevou os custos enfrentados pelos contratados e que está colocando em xeque a viabilidade dos referidos ajustes.
Há poucas dúvidas de que nesse cenário a efetivação de reajustes de preços, tão logo elas sejam possíveis, ajuda a minimizar os efeitos financeiros da crise e a garantir que os contratos sejam honrados pelos particulares contratados.
Portanto, e na ausência de previsão editalícia que expressamente aponte outra solução, é legítimo e salutar que o prazo para a realização de reajuste contratual seja contado do momento em que o orçamento estimado que serviu de base para a elaboração das propostas apresentadas durante a licitação foi elaborado pela Administração Pública contratante.
Do mesmo modo, é recomendável que os editais estruturados durante esse período de crise - no qual a variação de custos tem se mostrado acentuada e altamente imprevisível - adotem expressamente essa solução, de modo a evitar dúvidas e trazer segurança jurídica para os procedimentos licitatórios.
Vernalha Guimaraes & Pereira Advogados
Thiago Lima Breus - Head da área de direito administrativo do Vernalha Pereira Advogados. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor Adjunto de Estado, Direito e Administração Pública e Gestão Pública da Universidade Federal do Paraná (UFPR), de Direito Público do Instituto Federal do Paraná (IFPR) e da Escola da Magistratura do Paraná.
Pedro Henrique Braz De Vita - Advogado da área de direito administrativo do Vernalha Pereira Advogados. Doutorando e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor de Direito Constitucional e Administrativo do Centro Universitário UniOpet.